Frase da Semana

"A MINHA FELICIDADE DEPENDE DA QUALIDADE DOS MEUS PENSAMENTOS"





sábado, 29 de janeiro de 2011

O PASSAGEIRO DA POLTRONA 17


Em viagens solitárias, a não ser que se compre os dois assentos ou tenha a “sorte” de ir sem ninguém ao lado, estamos sempre fadados ao chamado passageiro do lado, seja esquerdo, seja direito, não temos como fugir, ele estará lá. Bem próximo, dividindo um espaço exíguo durante uma viagem inteira, tenha ela a duração que for.

Já fiz diversas viagens, como qualquer um de nós acaba fazendo, durante a vida. Ultimamente, devido minhas atual condição locomotora, tenho viajado muito de ônibus. Várias empresas e diversas categorias (leito, executiva, ordinária, standard, etc.) menos primeira classe! Essa faz tempo que não viajo mesmo! Até porque ônibus não tem primeira classe! :-) Mas não importa a categoria, pois o passageiro ao lado, ou o mistério de quem ele será, só é desvendado no momento em que ele senta!

Recentemente, fui a São Paulo, para comemorar o aniversário de uma amiga. Era uma sexta feira, e como havia “cabulado” o trabalho pude pegar um ônibus do horário da tarde, para poder chegar no destino quando não houvesse muito trânsito.

Estava quente, como tem sido esses dias, lembro-me de ter comprado um dos últimos lugares disponíveis, poltrona 18, escolhi essa porque era no meio do veículo e como experiência, sei que balança menos! Ao entrar e procurar meu assento, que era no corredor, o assento 17 já estava ocupado. Não haviam ligado o ar condicionado e por isso o calor era intenso, tanto que ao sentar, dei uma de velho ranzinza e reclamei. Meu vizinho apoiou-me veementemente e com isso iniciamos aquela conversa básica sobre o tempo, chuva, etc.

Empolgado, meu vizinho, que aparentava uns 30 anos, desembestou a falar. Tinha um ar sério e falava num tom tranqüilo e baixo, coisa que chamou minha atenção, pois geralmente as pessoas falam em tom alto, principalmente em veículos em movimento, acho que por conta do barulho da rua. Pois bem, ele, talvez estimulado pelo meu lado tagarela/ouvinte, não se fez de tímido. Contou-me que trabalhava em diversas cidades, havia comprado uma moto, sofrido acidentes e adquirido cicatrizes, as quais fez questão mostrar. Tinha um filho de 9 anos, era separado, morou um tempo em uma cidade do sul, a qual não lembro o nome agora e diversas outras amenidades.

Como já estava ficando meio enjoado, sinto isso em viagens terrestres e marítimas, nas quais não sou o condutor do veículo! Resolvi propor assistirmos a um filme, que eu havia baixado na internet, assim minha atenção se voltaria para a tela do laptop e o enjôo passaria. O que ele concordou, mas antes da primeira hora do filme adormeceu. Acordando somente poucos minutos antes do fim, fazendo com que eu tivesse que contar o restante do filme perdido.

Paramos para um lanche e banheiro. Nesse momento, aproveitei e fui até um McDonald’s comprar uma das promoções, pois estava com uma grande vontade de comer batatas fritas. Quando voltei para o ônibus ele já estava lá sentado na sua poltrona 17. Ofereci batatas, ele aceitou! O ônibus partiu para sua segunda etapa da viagem.

Em dado momento, ele menciona que é uma pessoa que tem o hábito de confiar nos outros! Pensei, cá comigo: sim, mas o que vem por ai? E disse-me que tinha algo que ele gostaria de contar! Torci fortemente para que ele, não me contasse nada, pois toda vez que alguém diz que quer contar algo, esse algo não é nada simples, como todas as outras coisas que já havia falado. Temo esses momentos de catarse!

Ele não me perguntou se eu queria saber, simplesmente disparou a contar e o que ele contou foi que, quando mais jovem, fez uma besteira e que havia pago por ela. Na verdade eu não entendi muito bem se havia pago ou ainda estava pagando. Pois já começava a ficar inquieto, não que ele percebesse, pois não queria deixa-lo desconfortável naquele momento em que resolvera contar talvez o que fosse um grande segredo, algo que não dividia muito com conhecidos, bem... continuando sua declaração ele disse que, aos 19 anos, havia matado a pancadas um homem! Isso mesmo: ma-ta-do. Ou seja, naquele momento ele havia me confidenciado que fora ou era um assassino! E naquele instante meu chão sumiu! Como assim? Alguém me conta no meio da Via Dutra, a menos de 20 cm de distância de mim, que matara outra pessoa!!!???

Claro, que junto à confissão vieram os motivos. A vítima tinha abusado de seu pequeno cunhado, o qual morava com ele e sua esposa na época. Na minha cabeça passavam mil coisas, enquanto ele falava e ao mesmo tempo, eu fazia força para não demonstrar o quanto aquela informação havia me afetado. Chocado mesmo! Não dá para se ouvir de alguém uma declaração dessas e simplesmente continuar falando do tempo! Mas eu fiz isso! Não! Não falei sobre o tempo, mas procurei ouvir e participar da conversa como se ele estivesse me dando uma receita para fazer um bolo. Contou-me alguns detalhes da prisão, das brigas que ocorriam lá dentro, de sua saída de lá, de como estava vivendo esses últimos anos. Inclusive contou-me que fora sua própria esposa quem o entregou à polícia.

Não sei se ele notou algo diferente em mim, nem sei se eu demonstrei alguma coisa, somente imaginava a razão pela qual ele havia me contado aquilo! Estávamos longe, muito longe ainda do destino final. Ele tinha visto que eu estava com laptop e poderia achar que eu tivesse mais dinheiro, então um possível assalto passava pela minha cabeça. Principalmente quando ele comentou os valores que devia ao advogado, e que estava indo especialmente a São Paulo para encontra-lo.

Felizmente todos os meus temores foram infundados! Não fui roubado e muito menos “apagado” por ter ouvido aquela confissão! Não sei o nome dele, lembro-me que no começo da conversa, enquanto o ônibus estava quente somente pelo fator ar condicionado desligado, ele o mencionou, mas não era um nome comum, um daqueles que os pais devem inventar a partir de junção dos nomes deles ou de parentes, a quem queiram homenagear, por isso não memorizei.

Na despedida desejei-lhe boa sorte e deixei-o sair primeiro. Estava tenso ainda. E me perguntava: será que a vida anda tão maluca que as pessoas não se incomodam de declarar coisas chocantes como essas a estranhos? Ou será que eu é que sou muito "fresco", como diria minha mãe, e exagerei no choque!

Como vocês agiriam? Qual seria o pensamento?

Meus amigos disseram que a partir de hoje eu não devo nem dar bom dia para o passageiro ao lado. Pois depois dessa nunca se sabe! Risos.

Ah! No retorno, o passageiro ao lado foi um policial fardado! Irônico né?

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